Conto: Perseverança


Ele tinha ido receber seus caraminguás, sua parte pelo trabalho da última noite. Até chegou bastante eufórico para receber seu dinheiro mas a alegria acabou logo ao receber o valor, vinte e cinco reais! O dinheiro que tinha que dar para o mês todo não chegaria até a quarta feira... Sentiu-se incrivelmente desiludido, como se um balde de água fria lhe fosse jogado na cabeça.

Após receber a grana ficou sentado na calçada, triste, se perguntando para que tinha virado a noite, passando dias e dias ensaiando, para ganhar vinte e cinco reais? “Ninguém merece!” Cansado de ficar sentado, resolveu voltar para casa. À pé. Queria poupar-se da cara passagem do transporte, afinal o pouco que tinha não era para distribuir.

Foi para casa sentindo-se derrotado, mais até, um bobo, alguém cujo talento foi furtado, usado para entreter a troco de comida. Passou a noite pulando feito mico amestrado, passou anos e anos de dedicação devocional aos ensaios e estudos, para quê? Para no fim ter apenas vinte e cinco pilas? Vinte e cinco!?

Lá pela metade do caminho parou novamente. Bem no meio da calçada. Parou e, no meio da calçada, olhou ao redor: prédios, pessoas, carros apressados, vendedores ambulantes, um ou outro vagabundo... Como pôde acreditar em tocar para o mundo? Em mudar o mundo? Não se conformava com a própria ingenuidade. No seu próprio bairro ninguém o reconhecia. O próprio cachorro já o estranho uma vez!

Ele queria poder dizer a todos que estavam lá, vivendo o mesmo dia, dia após dia: “Estúpidos, vocês não precisam viver submissos! Façam o que gostam, vivam seus sonhos! Parem de viver para ter, vivam para fazer!”, apesar de gostar da própria frase, quase vê-la numa Veja São Paulo da vida, era mais para ele mesmo que berraria, uma busca por argumentos para se convencer que fazia o certo, que estava na trilha certa, uma busca por superar a vontade de largar tudo ali mesmo, deixar sua vida de músico e viver de engraxar sapatos, entregar jornais e ajudar em mercearias, talvez um dia chegasse ao caixa se trabalhasse bem!

Chegou em casa e, sem olhar para sua guitarra, deixou a grana no quarto, iria mudar de vida naquele dia. Foi ajudar seu pai com o trabalho e iria tratar de arranjar uma escola técnica qualquer e se tornar um profissional mediano. “Talento pra que? Para receber vinte cinco mangos? Tô fora.”

Já ia passando pela cozinha rumo ao quintal dos fundos quando ouviu sua mãe chamando-o: “Hei menino, tem telefone pra você!”

“Essa agora”, o resmungo inevitável veio-lhe à mente, “só falta ser alguém da banda justo quando eu estou saindo”. Nem perguntou quem era, latiu seu “alo!” a quem quisesse ouvir... Mas o que ele que foi o surpreendido com o que ouviu do outro lado;

- Oi? É com você mesmo que eu queria falar. É com você que marco show, né? Aqui é do Morrison. Cara, te achei um gênio! Amei as letras, a música, as bandas, as covers, “Come Together” ficou simplesmente linda... Escuta, se vocês estiverem com a agenda livre, não gostariam de tocar lá na quinta? Topam? Sério? Beleza, tá combinado então... Bilheteria integral, claro! Aquele abraço! Ah, e meus parabéns, vocês tocam muito...

É, talvez houvesse esperança. Seu pai ainda perguntou se ele lhe procurara, mas ele negou, tinha muito que ensaiar tinha um mundo todo para tocar com sua música e, se não desse para mudá-lo, deixar sua marca já era inevitável...

E assim o dia ficou mais leve e ele mais entusiasmo. A única coisa que ele nunca entenderia é, como aquele cara do Morrison tinha chegado à eles? Ele, pelo menos, nunca mandou nada para lá!

PS: essa já foi uma crônica para uma banda chamada Virthua, hoje é para a banda Thrills and the Chase. A ideia é a mesma. 

25/08/03

Comentários

Muna disse…
Agora é a nossa vez de perseverar! :-)

Postagens mais visitadas deste blog

RPG - Classe/Raça: Kobold

Geração Xerox

Overthinking Back to the future