Ode ao mestre Manuel Bandeira
Se houve uma pessoa que me ensinou a ler a poesia, e a
viver a poesia, esta pessoa foi Manuel Bandeira. A poesia, bem como muitas das
artes plásticas, é nula de significados se entregues aos nossos próprios
“achismos”, se não tivermos consciência do contexto histórico e da vida do
próprio autor ao estudá-la e não há ninguém que traduza isto melhor que Manuel
Bandeira.
Andorinha:
Andorinha está lá fora dizendo
— "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa.
O texto à primeira vista, uma confissão de boêmio
arrependido ganha outra cor após conhecermos melhor a vida e o cenário em que
viveu Manuel Bandeira.
Quando jovem, iniciava seu curso de engenheiro-arquiteto
teve sua vida alterada por uma doença: a tuberculose. Mortal na época, Manuel
Bandeira escapa à ela mas seu médico não lhe daria um diagnóstico positivo,
disse-lhe que evitasse esforços e que, provavelmente, teria uma vida curta.
Ironicamente viveria até 1968, um total de 82 anos, mas viveu uma vida de
privações pelo seu corpo fragilizado e a eminência de uma morte anunciada que
custou a chegar.
Pneumotórax:
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga Trinta e três.
— Trinta e três... Trinta e três... Trinta e três...
— Respire.
— O senhor tem uma escavação no pulmão
esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Apesar disto, Bandeira não se tornou um homem amargurado
e com inveja e tristeza dos seres vivos, por estes estarem fadados à morte. Ao
contrário, seus textos, mesmo os mais negativos, trazem apenas leve melancolia
da reclusão forçada, que teve a vida toda praticamente, em geral exprimem
emoções e sentimentos observados no dia-a-dia só possíveis a um observador
atento, assistindo à vida pelo lado de fora.
Bandeira sempre defendeu a escrita livre dos floreios,
era pragmático em seu texto sem não perder o sentimento. Chegou a fazer
pequenos manifestos a estilos de época como o parnasianismo. Ao lado de
"sonetos que não passam de pastiches parnasianos", segundo o próprio
Bandeira, nele figura o famoso poema "Os sapos", sátira ao
Parnasianismo, que veio a ser declamado, três anos depois, durante a Semana de
Arte Moderna em 1922, pela voz de Ronald de Carvalho. Antecipador de um novo
espírito na poesia brasileira, Bandeira foi cognominado, por Mário de Andrade,
de "São João Batista do Modernismo".
Sobre os sentimentos, os poemas do Bandeira são famosos
por representar uma gostosa ingenuidade e trazerem sempre o garoto de infância
à tona.
Porquinho-da-índia
Quando eu tinha 6 anos
Ganhei um porquinho-da-índia
Que dor no coração me dava
Por que o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O porquinho-da-índia foi minha primeira namorada...
Foi por intermédio de seu amigo Ribeiro Couto que Manuel
Bandeira conheceu os escritores paulistas que, em 1922, lançaram o movimento
modernista. Bandeira não participou diretamente da Semana de 22 mas colaborou na
revista Klaxon e mantinha amizade com os modernistas. Colaborou também na
Revista Antropofagia, Lanterna Verde, Terra Roxa e A Revista.
Manuel Bandeira (M. Carneiro de Sousa B. Filho), foi
professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário, nasceu em Recife,
PE, em 19 de abril de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de outubro
de 1968. Eleito em 29 de agosto de 1940 para a Cadeira n. 24, na sucessão de
Luís Guimarães Filho, foi recebido em 30 de novembro de 1940, pelo acadêmico
Ribeiro Couto.
PREPARAÇÃO PARA A MORTE
A vida é um milagre!
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma!
Cada flor é um milagre!
Cada pássaro,
com sua plumagem, seu canto, seu vôo!
Cada pássaro é um milagre!
O espaço infinito,
o espaço infinito é um milagre!
O tempo infinito,
o tempo infinito é um milagre!
A memória é um milagre!
A consciência é um milagre!
Tudo é um milagre!
Tudo, menos a morte!
Bendita seja a morte,
que é o fim de todos os milagres!!!!
Originalmente publicado no PNOB 9. Faça seu download aqui.
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