RPG, Terra Média, Prólogo sobre Turlon, o Hobbit, Parte 1



Em um canto escuro, vivia um hobbit. Não um hobbit qualquer, contudo. Como todos os demais, ele também desfrutava de suas seis refeições diárias. Amava a cerveja e um bom tabaco. Amava as coisas simples do mundo, e tinha uma bela orta, uma bela toca, bastante ampla para os padrões dos pés peludos. Turlon era seu nome, e esse também não é um nome comum entre os povos pequenos. E sobre tudo, ele era um eremita, algo muito, mas muito difícil para um hobbit. Vivia numa toca de pedra, encravada entre a vegetação que resistia ás intempéries do clima das terras hermas. Quase um vale. Havia um fio de água, que ele chamava Rio. Havia a mata de uma pequena região fértil, e havia boa caça. Coelhos sobre tudo, que viviam uma espécie de simbionte com sua orta. Os que não eram pegos roubando, não iam para a panela e comiam, para serem pegos outro dia. Havia algo de aves de rapina, como faisões e pequenas águias, que tinham a carne pouca e dura, mas na falta de outras opções, serviam.

A grande toca do Hobbit tinha diversos cômodos, e podia acomodar com facilidade, umas 12 pessoas, mesmo com os diversos usos que seus cômodos já receberam. Vazia, a toca comportaria uma grande família, com tios e cunhados em comunhão, como não é raro que aconteça. Esta toca ele chamava de meramente de Fosso. Em seus quartos haviam compotas e carnes salgadas, prontos para o inverno. Havia em outro cômodo, vinhos e cervejas e também num terceiro, tabacos e cachimbos colecionados e feitos. Havia um grande átrio interno, logo na entrada, com uma mesa para doze pessoas, uma grande lareira, cuja fumaça saia com perfeição, tão à beira do fio de água, que fora os dias muito frios ou aqueles que a neve recobria todo o vale, mal se notava a tênua e perfeitamente queimada fumaça, de uma lenha muito bem selecionada. A lenha também tinha seu próprio cômodo, reservada e colida com cuidado, apenas as peças sem cascas e sem folhas, que queimam mal e fazem demasiada fumaça, também nada muito verde, pelos mesmos motivos. Havia por fim o quarto, a generosa e desproporcional cozinha, imensa para todos os padrões, hobbites ou humanos e havia o Outro cômodo. O Motivo que mudou a razão de Turlon. Que o fez largar sua vida pacata no Condado e mudar para terras distantes. Um motivo estranho, sedutor e perigoso, que seduziu de tal maneira o pequeno hobbit que sua vida mudou por completo. Ou ao menos mudou bastante para os padrões anteriores.

No passado distante, já há mais de 30 anos, o jovem Turlon se viu obrigado, e obrigado é a palavra certa, a percorrer uma viagem à Bri, para encontrar com alguns familiares distantes, que lá residiam. Turlon odiava, como devem odiar todas as pessoas de bem, qualquer coisa semelhante a uma aventura, mas ele não teria opção. Sua família estava alí, ele tinha que ir visitá-los. Havia algo sobre algum tio, do qual ele nunca ouviu, que havia falecido, e que seria feita a leitura de sua herança. Turlon se muniu de todo o tabaco que pode carregar. Duas roupas de caminhada, como ele chamava as peças grossas, feitas para viajar, e partiu, amparado por um breve pedaço de madeira, que servia como um cajado. Espantava os cães mais bravos, apoiava o corpo para repousar da estafante viagem e, como dizia o velho maluco que morava no Bolsão, "O maior perigo com as estradas é que nunca se sabe aonde elas vão te levar". Claro que o sentido era além do real. Todos sabem para onde se dirige uma estrada. O sentido era mais poético, sobre como uma estrada pode mudá-lo, sobre como uma viagem pode afetá-lo.

Esse é o problema com Hobbits e estradas. Em sua visão, eles já alcançaram o paraíso, com suas vidas pacatas, os aniversários que devem ir por obrigação, os dias árduos de trabalho, no início da primavera e as colheitas do verão. O preparo da comida em conserva para os invernos e as noites longas e frias das nevadas, destinadas à nada mais que meditação, leitura e o consumo do fruto de seus trabalhos. Não havia espaço, nesta agenda, para muita agitação. Um dia a mais de festa, e poderia ser uma semana inteira comendo frutas cristalizadas. Turlon odiava frutas cristalizadas. Eram de um doce falso e exagerado, duras de se comer e prendiam nos dentes e não tinham nenhum valor maior que enganar a fome.

A viagem á Bri não foi árdua, apenas monótona, sob um sol muito quente e demasiadamente longa. Turlon chegou a Bri como chegam todos os povos não humanos à uma cidade humana. Agitada, apertada, feia, de construções não naturais de madeira. A sujeira dos cavalos não tinha para onde ir e não havia um espaço verde onde sentar e conversar que não fosse particular ou passagem de pessoas. O barulho e agitação da cidade irritaram ainda mais o jovem Hobbit. Mas ele havia chegado e tinha uma missão para cumprir. Hospedou-se no famoso Pônei Saltitante, sem desconfiar que em 30 anos, este lugar seria invadido pelos pesadelos chamados Cavaleiros Negros, e hospedou-se, vejam vocês, no mesmíssimo quarto coletivo, que os tais cavaleiros esfacelariam travisseiros pensando tratar-se das vítimas que perseguiam. A noite e seu sono, sem desconfiarem de nada disso, no entanto, foram tranquilas e ele acordou renovado. Encontrou-se com Trien e Brudoken, seus "primos da cidade". Se abraçaram num silêncio forçado, pois alegrias em leituras de testamentos não pareciam apropriadas. E com sorrisos contidos, fizeram conversando sobre a vida dos outros, seus dois cafés da manhã. Não viram como riam ás escondidas, as outras mesas, vendo duas figuras miúdas comendo tamanha quantidade de comida. Queijos e pães, e carne seca. Leite e chá com leite no segundo café.

Nenhuma grande conversa, até a chegada de seu velho tio, Andrien acompanhado de um escrivão de notas, anunciando com um só pigarro, que tinha pressa, não queria estar ali e assim iria iniciar a leitura. Colocou-se a empostação padrão de um escrivão, com sua voz cavernosa, mas baixa e lenta, que faria dormir as lebres e anunciou, a fortuna (ao que parece, o finado tio, era rico), para um primo. Ao outro, a loja na cidade, que na verdade, ele já vinha cuidando. E para o Turlon, a sua toca. E só. A alegria de Turlon no entanto foi de um estremo ao outro. “Uma toca! Ora essa! Mas ai de mim, é uma toca longe, muito longe de todos”.

A toca, chamada Fosso, fica além da floresta velha. Fica em meio aos batedores do norte e as ruínas do antigo povo que ali viviam, em Eriador. Na despedida, seu sorriso foi forçado, e não contido, pois seus dois primos haviam saído-se melhor. Um tinha a fortuna para comprar suas próprias tocas e o outro, tinha os meios para fazer mais fortuna. A ele, pobre, só uma toca vazia e longe. Que nem vender poderia, pois quem compraria. Seu primo, apiedado, deu-lhe uma adaga bastante longa, com a desculpa que ela seria útil para despelar caça e defendê-lo de feras, e ele chamou essa adaga de Amargor. Mais sorrisos falsos e ele partiu, rumo norte, para encontrar seu presente.

Cuidado com as estradas, por que nunca se sabe aonde seus pés poderão te levar, uma vez nelas. Era isso que dizia aquele maluco...

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