Tolkien e eu...

Eu tenho que fazer duas confissões: 1) Sou terrivelmente cabeça dura e, por padrão, detesto tudo que as massas corram feito gado em direção e 2) Por padrão, evito atividades que pareçam cansativas, à princípio, mas depois que tomo coragem, eu as encaro com certo orgulho...

Por ser tão cabeça dura, eu demorei, por exemplo, a assistir a versão cinematográfica de O Guia do Mochileiro das Galaxias. Quando finalmente fui, minha cabeça explodiu.  Pouco antes desse filme estourar por aqui, havia um monte de burburinhos nos forums de RPG que eu frequentava e o povo estava efusivo com o lançamento de "O Guia do Mochileiro das Galáxias" em português. Eu não entendia o que havia de tão interessante com esse livro. O título e a fama entre adolescentes me faziam pensar que se tratava de algo como "Diário de um banana", alguma comédia adolescente boba, e eu nem imaginava que tivesse relação, de fato, com ficção científica ou com o humor maravilhoso que o filme e os livros continham. Mas, na época, como ninguém me ofereceu a saber do que se tratava, e eu não perguntei, ignorei os livros do autêntico DNA (Douglas Noel Adams), até o filme que fui ver por falta de opções na época.

No filme, a primeira coisa que me deixou intrigado, logo de cara, foi a narração de José Wilker em português, mesmo no filme legendado. Ainda olhei o bilhete do cinema para confirmar se havia mesmo pegado a sessão legendada. Depois soube que o narrador fora mantido em português para diminuir a quantidade de legendas no cinema e tornar o filme mais palatavel ao público brasileiro. Acontece que na minha opinião ficou muito melhor o narrador, na forma e estilo que foi feito, em português, do que a narração original. José Wilker, num tom sóbrio, com uma pitada de irônico, dá um show em relação à dublagem original, onde o narrador inglês soa meramente sonolento.

O segundo golpe que me fez apaixonar pela história, foi a história do filme, como alguém poderia fazer humor com ficção científica de forma tão brilhante? Os absurdos calculados cuidadosamente no filme, como o musical protagonizado por golfinhos, com quase 5 minutos, logo na abertura, é a prova de graduação se você amará ou odiará Douglas Adams, o autor. Depois, cada nota de rodapé transformada em uma sequência com infográficos, um mais absurdo que o outro, mas narrado com uma naturalidade autêntica, de quem narra uma partida de xadrez (mas não igual ao Adnet fez na Mtv), me fizeram me apaixonar pelo filme, e mais ainda pelos livros. O resultado é que do filme que eu ignorava até assistir, eu assisti ao total de 3 vezes no cinema, uma vez por semestre no DVD eu revejo, comprei todos os livros em português, depois todos os livros em inglês e, por fim, cacei tudo que podia sobre o filme e o autor na internet, inclusive uma espécie de RPG na forma de jogo de texto. Você escreve suas ações, o jogo narra (escreve na tela) os resultados.

Isso que eu vivi com esse filme é só um exemplo de como algo que eu odeio antes mesmo de conhecer pode me arrebatar depois, e isso acontece comigo o tempo todo. Estou sempre perdendo novidades boas, por que se misturam na multidão das modinhas passageiras e acabo não embarcando no primeiro trem daquilo que presta.

Também sempre amei ler livros, mas grandes livros, os verdadeiros cartapacios, eu só começaria a ler na quinta série, quando um amigo meu me emprestou o livro Alien, sobre o filme de mesmo nome, um tomo generoso (para a época: quinta série) com mais de 200 páginas, e que eu li em quase três dias de tão bem que a história me prendeu, que eu me rendi aos grandes livros. Tendo vencido a leitura do primeiro grande livro, perdi a preguiça, e aí começou, mais ou menos em 1992, o purgatório dos meus pais...

No início dos anos 90 o shopping que íamos, meus pais e eu, aos sábados ainda tinha uma loja Sears, que viraria Mappin. Tinha uma loja Jumbo Elétro, e uma das maiores lojas de hoje naquele shopping, era naquela época uma padaria. Sim, uma padaria num shopping. Ficava em frente à Sears. Naquela época não existiam as grandes lojas de hoje, mas lá tinha uma livraria Saraiva. Ela não se chamava Saraiva MegaStore, era só Saraiva mesmo. E ocupava uma lojinha de nada, que vendia - Pasmem! - livros! Só livros. CD's? Não tinha. DVD's? Nem existiam. Papelaria? Bom, acho que vendiam sim blocos de papel e canetas (blocos de papel era como os Moleskines eram chamados na minha época).

Eu amava ir nesta loja, que ficava logo no corredor de entrada principal do shopping. Era ocupada de livros do chão ao teto e em ilhas entre as estantes. Era até difícil andar nela. E eu a amava. Meus pais, coitados, ficavam se perguntando o que tanto eu olhava nos livros, suas lombadas, seus títulos, em busca de alguma nova paixão súbita para comprar pedir para meus pais comprarem. A busca era algo que me intrigasse, me desafiasse, que parecesse gostoso de ler e tivesse uma capa bonita (livros sim, se vendem pelas capas). Eram mínimos 15 minutos lá dentro, lambendo prateleiras e cheirando livros (book snifer).

Pouco depois de compras fortuitas, no ano de 1995, a Editora Abril Jovem havia comprado os direitos da editora que produzia meu jogo favorito na época, um RPG (jogo de interpretação de papéis, jogado na mesa e não com computadores, com fichas e dados), a editora era a norteamericana TSR e o jogo era Dungeons & Dragons. O lançamento desta aquisição foi realizado no Terceiro Encontro Internacional do RPG, produzido pela prefeitura de São Paulo na marquise do Parque do Ibirapuera, onde a editora Abril Jovem literalmente fez um castelo para lançar os livros em português e a miríade dos meus olhos até então, uma revista mensal, de RPG, com conteúdo traduzido da revista da própria editora estadunidense. Explico isso para dizer que a segunda edição desta revista, chamada Dragon Magazine, mudaria minha vida para sempre, ela me apresentava, em um artigo, um tal de Senhor dos Anéis. Fiquei desesperado para ter aqueles livros, como só uma criança poderia ficar quando quer alguma coisa.

Chegamos na livraria e, após a costumeira meia hora de buscas, vagando à esmo, lá estavam eles, os três livros: A Sociedade do Anel, As duas Torres e O Retorno do Rei. Olhos pidões, no melhor estilo gato de botas do filme Shrek, e apontando para os livros imploro para minha mãe. Ela olha o tamanho de cada um daqueles livros (e provavelmente os preços) e oferece: "que tal se você comprar um de cada vez? Terminou, compramos o próximo". A reticência da minha mãe era compreensível. Nunca fui famoso por terminar projetos pessoais, só em começar, e aqueles livros deveriam ser muito caros. Ainda assim eu fiquei temeroso, "e se os livros fossem banidos da face da Terra antes de eu terminar todos?". Mas, por fim, sem renda própria eu me resignei e concordei com as condições maternas. Começava minha jornada, em 1995, ao longo de O Senhor dos Anéis e seu autor, John Ronald Ruel Tolkien. Por sorte, um vendedor da livraria era fã da série, coisa rara hoje, mesmo em livrarias, alguém que de fato lê algo, e me ofereceu O Hobbit, para começar.

Tão logo lí O Hobbit, vieram os grandes livros, cada um deles, O Senhor dos Anéis I, II e III, Contos Inacabados, Silmarílion, Mestre Gil de Ham, O Mundo de Senhor dos Anéis, O atlas da Terra Média, O RPG do Senhor dos Anéis original (e horrível de jogar), uma versão mais nova do mesmo RPG, (mas igualmente ruim de jogabilidade), O Mundo de Tolkien, e tantas e tantas outras obras, que inclusive há por serem lidas, quando passar esta febre que se instaurou e inflacionou os livros que venho lendo há anos, intercalando cada livro com outros temas, mas com a leitura constante que só um apaixonado pode manter...

No final, olhando para trás hoje, eu vejo que bom que eu deixei de ser preguiçoso para ler as grandes obras, lá em 1992, na quinta série, quando lí Alien. E ainda melhor que conheci as obras de J. R. R. Tolkien antes do oba-oba dos filmes de hoje em dia, que estamos na quarta adaptação aos cinemas, ou provavelmente eu ainda estaria, até hoje, sem ter lido Tolkien, achando que não passava de uma modinha passageira...

Update
Atualizações no texto. Nada muito grande, mas decidi não economizar palavras como tentei fazer. Escrever muito é uma forma de obrigar as pessoas a me dizerem, ainda que seja reclamando, que eu escrevo "demais"... :D

Comentários

Anônimo disse…
terei que ler novamente... rs vou fazer esse esforço!
Editora Delearte disse…
Você escreve demais! Hahahah!

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