Feliz aniversário, mamãe.

Minha mãe sempre foi uma lutadora. Quando criança, nasceu no interior do Paraná, criada pela avó, já que sua mãe buscava o progresso nas capitais para dar às filhas. Quando cresceu, correu para São Paulo, atrás de progresso para sí. Normalista, ganhadora de concursos de redação em sua cidade, trouxe para São Paulo sua cultura, seus valores, o troféu do dito concurso e as memórias do sobrevôo pela sua cidade, um prêmio impagável na época.

Mesmo sendo de família de poucos recursos. Tendo que buscar capim gordura para o bode, rastelar o quintal da casa de madeira e terreno amplo e passar as camisas de seu avô, trouxe também sua paixão pela cultura. Amava o rádio, que só lhe era permitido ouvir enquanto passasse as camisas. Seu avô, apaixonado por música, tinha os discos emprestados para a rádio da cidade, com menos discos que ele. Da sua avó, trouxe os valores que alimentaram e mantiveram uma família grande. E deportou-se para a capital de São Paulo, onde vivia sua mãe.

Seu primeiro emprego durou o dia. O primeiro dia. Numa reveladora Kodak, sem qualquer razão, talvez o dono tenha feito as contas erradas e se deu conta após contrata-la, que não cabia mais uma funcionária, e a demitiu. Resignada, ela voltou a buscar emprego e acho, numa repartição da Companhia de Águas do Município de São Paulo. Todos que trabalharam lá, antes da empresa ser SABESP (e do Estado), hoje são conhecidos por G0. Geração 0. Ela era uma G0. Assim como meu pai é até hoje. Sim, eu sou filho de um caso, amigável, de assédio no trabalho.

Então minha mãe, após se casar, teve a mais árdua de suas profissões. Mãe de três geniosos filhos homens, que a fez largar o emprego para poder trabalhar mais. Tenho poucas memórias da minha mãe descansando. Ela estava sempre preparando as coisas para uma viagem que faríamos, uma cesta de lanches para uma visita ao clube da SABESP, visitar suas irmãs pelo interior paulista, limpando a casa, enorme ou cozinhando para a tropa. E cuidar da mãe dela. Minha avó. Não foi fácil sua batalha. Hoje pode parecer difícil conceber alguém fazer o sacrifício da carreira pelos filhos. Quase ninguém mais faz esta escolha. E olha que hoje com todos os percalços que temos, ainda assim, nossa economia é estável.

Minha mãe não pegou os ventos à favor de hoje em dia. Só tempestades. Ela viveu 4 ou 5 planos econômicos diferentes. Cruzeiro, Cruzado, Cruzeiro Novo, Cruzeiro Real, Unidade Real de Valor (URV), Real. Minha mãe viveu a moratória de 86 com o terceiro filho na barriga. O país não tinha como pagar suas dívidas e não pagou. A economia virou um caos. Desempregos avassaladores. Ela viveu o medo dos últimos dias da ditadura. O medo pelos seus filhos. E viu a constituição de 88 ser proclamada. Militou contra o Collor e foi, com um filho em cada mão, pedir o impeachment do mesmo.

Só quando minha avó materna morreu que eu a vi recuar. Um pouco apenas. Sua mãe. Foi a vez que a vi mais triste. Foi uma semana apenas, mas foi uma semana muito longa, depois que ela voltou para casa cuidando do tratamento e por fim do enterro, mas não estava disponível para nós. Nós não entendíamos, éramos crianças. Foi o único momento, de toda minha vida até hoje, que ela não estava lá, para nós. Se doando. E eu a vi chorar as mais tristes lágrimas, escondido de trás da porta de seu quarto, entreaberta, com meu pai ao seu lado, segurando sua mão e com outra mão em seu ombro.

Também a vi feliz, com a chegada do seu terceiro filho, como não pude ver e entender a minha chegada e a de meu outro irmão. Se foi perto daquilo, deve ter sido ótimo. A vi feliz a cada redação minha que lia na frente da sala. A cada nota alta. A cada pequena conquista. A cada publicação e pelo emprego conquistado. Com a minha formatura.

Ela me ensinou a gostar de ler. Me mostrou os valores da família, a típica família paulistana, com todos debaixo das asas maternas, protetoras. Logo ela, paranaense, se tornou a mais típica mãe paulista. Ela podia ser uma general em casa, com três pequenos diabos das tasmânia destruindo o que ela fazia na sequência, mas nunca deixou de nos educar. De dizer por que éramos punidos. Por que éramos premiados. Talvez alguma destas leis novas, onde o governo quer ensinar às mães e pais como educar seus filhos pudessem repreende-la no passado. Já apanhei de todas as coisas disponíveis na casa, cinto, cinto do lado da fivela, palmadas, chinelos. E mereci cada uma das surras que levei. Eu e meus irmãos, que fique claro que não tinha inocentes ali.

Mas ela me ensinou tanto, me deu a vida, e um sentido para ela, me mostrou o caminho da igreja, me deu valores morais, me amparou e ampara até hoje, cada vez que tropeço. E tudo que posso lhe dar de volta é isto. Esta crônica. Vendo tudo que ela viveu, e tanto mais que nem mencionei aqui, como mensurar o que sinto em presentes? O itaquerão não seria suficiente para a mais fanática torcedora do Corinthans que já conheci. O texto, e as lembranças hão de servir. Parabéns, mamãe.

Feliz aniversário. Te amo demais. Inexprimível.
Com um nó na garganta, seu filho.

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