Resenha: A décima segunda noite

Grandes profissionais são aqueles que tudo que fazem, o fazem bem feito. Dizem que uma pintura ruim de Picasso vale mais que a melhor pintura de muitos, mas muitos mesmo, dos pintores modernos (eu prefiro Lichenstein, mas isso é outro assunto).

Luis Fernando Veríssimo é destes grandes profissionais. Escreve em não sei quantos jornais por semana, publica um livro o que? Por bimestre? Talvez menos. Todas as coleções que resolvem publicar, ele é um dos escritores convidados. Foi assim com a coleção Pecados Capitais, onde ele escreveu o ótimo "Gula". Foi assim com a série 5 dedinhos de prosa, onde ele narra o polegar no igualmente ótimo "O opositor". Agora a série é "Releituras de Shakespeare" onde escritores convidados adaptam, para os dias de hoje, peças do teatrólogo inglês.

A peça "A décima segunda noite" é uma comédia, aqui, narrada por um papagaio, que é capa do livro, sobre uma trama que reflete nos dias de hoje a peça original: um dono de uma rede de salões de cabeleireiros  que só contrata homens, apaixona-se por uma de suas clientes, Olívia, enquanto contrata Cesar, sem saber que este é na verdade Violeta travestida e que, na verdade, ama a Orsino, mas será Olívia quem se apaixonará, não por Violeta, mas pelo seu "eu travestido", o César.

Há também algumas tramas paralelas, como há as mesmas na peça. Mas, preciso dizer, a despeito de todos os elogios que deixei discorrer ao escritor acredito, sem pompas a crítico, que o gaúcho aqui errou a mão. Mas posso estar errado, claro e também não quero me comparar a nenhum Schwartz. Eu não tenho nome de agua tônica afinal.

A trama narrada por um personagem ciente da sua impossibilidade de ser um narrador crível, faz diversas regressões, contando infinitas histórias paralelas ao longo da sua narrativa a um grupo de estranhos que gravam sua prosa. Cada capítulo termina junto com um eventual "final da fita" deste gravador. Ali ele narra a história que resumi acima e que o livro já a resume também, em suas orelhas. Afinal a trama é conhecida, e sobre a adaptação que voltamos nossos olhos.

Contudo, ambientar a peça na França, segunda pátria do Veríssimo filho, torna o papagaio com um pesado sotaque e expressões em francês, absurdamente densas no início da obra mas que rareassem até o seu final, mostrando algo de correria de cansaço do escritor. Da mesma forma as várias referências aos escritores famosos, principalmente da própria França, que atestam a genialidade desta ave, logo também tornam-se não apenas repetitivas, como muletas para algumas atitudes da ave narradora.

Sobre a história, podemos dizer que as diversas regressões e digressões que o narrador faz, impõem um ritmo lento a obra, que leva onze capítulos ou mais para chegar ao seu ápice para, então, ver tudo resolvido num capítulo curto e que se passa após o desenlace da situação chave da história. Tanto tento construindo o clima e as personagens, para que a cena se dissolva entre dois capítulos. Em outras palavras: em onze ou mais capítulos fala-se da tal décima segunda noite, um período entre o natal e a noite de reis segundo o qual, tudo pode acontecer, patrões e empregados trocarem de lugares, paixões nascerem e morrerem, o maior caos nascer somente para morrer, ao décimo segundo badalar do relógio, na décima segunda noite. Durante estes capítulos, o papagaio Henry constrói o que vai ser essa noite para então, no capítulo seguinte, narrar como foi, de forma curta e seca.

Não é a melhor obra deste homem incrível e escritor espetacular. Claro que falta a este leitor conhecer bem a décima segunda noite, a peça original do escritor inglês, onde as piadas e comparações "absurdas" surgir-iriam com mais cores. Ao livro, pequeno e fino com uma fonte de texto digno de livros adolescentes, como a velha série Vaga-Lume, isso somado ao fato, inexorável, que esta é uma obra lenta e de final abrupto nos levam a questionar o custo/benefício do texto.

Contudo, um passeio dos olhos pelas bancas, vendo a magreza e a falta de assunto das revistas de janeiro, logo nos lembram que, até mesmo a pior obra de um bom escritor, será melhor que a melhor matéria legível num mês como este, entre o fim de ano e antes do carnaval, uma espécie de limbo entre o final e o nascer de dois anos distintos... 

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