Crônica: Tolkien e a Corrupção

É impressionante constatar como eram pessimistas as previsões para as personagens do filme O Senhor dos anéis - a sociedade do anel, reprisado ontem na TV. Só para recordar, dos nove que partiram da terra dos elfos com o destino claro, a Terra de Mordor, dois morreram: Boromir, redimindo-se de sua corrupção da alma e Gandalf, salvando a todos de um mal inexprimível. Dois foram presos: Peregrin Tuk e Meriadok. Dos que sobraram, a sociedade rompeu-se: Frodo e Sanwise Gangi foram para a esquerda, Aragorn, Legolas e Gimli para a direita.

Ainda que saibamos hoje como acaba, é sabido que a coisa ainda iria piorar muito antes de melhorar no decorrer dos próximos dois filmes e, para quem leu as obras ao invés de apenas vê-las na TV, sabe que mesmo depois de tudo restaurado, ainda haveriam problemas para os hobbits. 

O grande mal que é foco da batalha épica do cartapácio escrito por Tolkien entre 1945 e 1970 é um só: a decadência na corrupção pelo homem e sua redenção, ainda que não de outros homens. Aonde começa esta corrupção é que são elas. Difícil deduzir onde tem início este mal de muitos nomes: corrupção, inveja, cobiça e avareza.

Pode-se supor que começou com o primeiro, mais poderoso e bonito dos valares (uma espécie de santo da Terra Média), Melkor, que invejou a criação de seus irmãos e as perverteu em criaturas horrorosas a seus serviços. Pode-se supor que foi com Sauron, o mais poderoso e bonitos dos Maiars (mesma casta de homens santos que pertencem os magos da Terra Média, uma espécime de avatar dos Valares). Sauron, o grande mal combatido na sequência da New Line Cinema é apenas uma sombra do mal maior que foi Melkor. 

Podemos culpar a corrupção dos homens quando Ar-Pharazôn, senhor da paradisíaca ilha de Atalante ao invés de liquidar Sauron quando pôde, optou por ser seu senhor, e a adulação deste o perveteu fez lançar a nobre raça de meios elfos contra seus irmão, elfos e humanos, que habitam o continente. Ou ainda a corrupção pode ter iniciado-se quando Isildur ao invés de destruir o anel que obtivera de Sauron (com seus dedos decepados juntos), optou ficar com ele, como troféu de sua batalha.

Para nos atermos apenas à trilogia, são inúmeros os grandes homens vítimas da corrupção no filme, vítimas deste câncer da alma. Para começar, há os espectros do anel, os nove antigos reis dos homens que caíram vítimas da promessa de poderes de Sauron (então chamado Senhor dos Presentes), mas que foram presos pelos menos anéis que lhes deram poderes inimagináveis e fizeram deles inimigos tão terríveis, sob o nome de Nasguls.

Depois há Boromir, há o senhor dos cavalos, preso pelos adulos de Grima Língua de cobra, há Saruman, senhor dos cinco homens do oeste, os magos da Terra Média, que caiu vítima da sua própria prepotência que acreditava-se capaz de domar Sauron. Há o regente de Gondor, que recusa-se a ceder o trono ao seu herdeiro natural, Aragorn, e abdicar de sua realeza emprestada. Há inúmeros homens que servem o mal sem serem manipulados, mas por acreditarem que este é o caminho mais fácil. Os orientais e seus Olifantes, os bárbaros do norte, os piratas.

A raíz de todo mal pode ser sintetizada numa frase dita pelo presidenciável e governador de São Paulo, Geraldo Alkmin, "Prefiro os que me criticam, por que me corrigem, aos que me adulam e me corrompem". A obra máxima de um inglês, escrita durante a segunda guerra (dos homens, não do anel), é um retrato ainda claro da corrupção dos homens, mas desta vez, sem os heróis que se levantam. 

No filme e na obra, a grandeza que corrompe encontra seu fim justamente na pequenos e humildade de um povo, de vida e aspirações simplórias, os  Hobbits, cuja origem é desconhecida assim como seu destino, contudo, sua participação e a lição que este povo deixa é uma lição para nós até hoje. Almejar nada além de tornar tudo que se toca melhor, de fazer o melhor para uma vida confortável e o prazer, inenarrável, de deitar a cabeça no  travesseiro à noite, com a certeza da missão cumprida.

Agora, você pode estar se perguntando onde eu quero chegar com tudo isso, se quero fazer um paralelo à corrupção dos dias de hoje, ou sobre a ausência de heróis que vivemos, ou ainda sobre a superação da humildade e a forma mágica que Tolkien previu a decadência dos homens. Honestamente? Não sei. Parafraseando Luis Fernando Veríssimo, não sei como você chegou até aqui, eu mesmo já caí fora deste texto no segundo parágrafo.

Comentários

Editora Delearte disse…
Eu lí até o último paragrafo, he. Eu acho que Tolkien, dentro da sua crença religiosa e sua visão do mundo medieval romantizada, deixa um final bem claro no livros deles: acabou-se. Tolkien e o pessimismo deveria se chamar sua crônica, he.

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