Conto: O fim...

Foi como um sonho que ele soube que aquele era o último dia do mundo. Mas na manhã que ele acordou, ele percebeu que ninguém mais se havia iterado, e o mundo seguia como sempre segue, na manhã cinza e de chuva, com o jornal falando das mesmas violências e dos mesmos roubos do governo, e dos mandos do crime e desmandos da política. E ele não soube o que fazer, e sem saber o que fazer, deixou o automático guiá-lo um pouco mais, e ele tomou um bom banho, e fez a barba, já que não sabia quando faria de novo, e então tomou um bom café. Não tinha sentido deixar tanta coisa na geladeira para estragar.

Ainda encheu um balde de água antes de ir trabalhar, para deixar lá, pelo sim, em casa, de reserva, mas tampou-o bem. Se seu mundo iria acabar, a Dengue que não iria se beneficiar por ele.

No trabalho os mesmos trânsitos insuportáveis e pessoas mal educadas, mal nascidas e mal comidas, que tornavam a ida ao trabalho ainda pior, mas assim mesmo, como fazia todos os dias, chegou ao trabalho e olhou para os lados e ainda cedo, não cedo cedo, apenas cedo para estar no trabalho, pois seus colegas chegavam muito mais tarde, e ele não se importou em fazer mais nada que não fosse subir ao trabalho e responder alguns emails e quando deu por si já era hora do almoço. Almoçou em um lugar diferente, assim mais caro, e pagou o dos amigos, pois ele gostava de verdade deles, e não tinha sentido deixar aquele dinheiro todo parado, dinheiro virtual, tão inútil no fim do mundo, tão inútil na vida real, quando se pensa bem, pois além de pagar as contas, em geral, muito pouco extra ele fazia do que ganhava, pois havia pouco extra no ganhava para fazer qualquer coisa.

Sem se dar conta, atirava o último dia de sua vida pela janela, e o último dia do mundo, sem aviso escoava na rotina que o marcara por toda sua existência. Jantou só, pois só se pode pensar um pouco mais e resistiu a ficar no telefone, que todos chamam de inteligente, mas que só server de coleira para o trabalho e bobagens para distrair a mente, e quando percebeu, já era tarde, e era hora de dormir. Abriu um bom vinho, serviu-se no copo, abriu bem as janelas de seu apartamento, com vistas para duas importantes avenidas, e não se surpreendeu com o trânsito tão absurdo que havia ali, da volta do trabalho e saída das faculdades e colégios e tantas pessoas presas como gados em perfeita fila para o matadouro, e então jogou-se no sofá, pois não fazia sentido desperdiçar aquela última noite desarrumando a cama e dormindo no quarto quente que ele de verdade, nunca havia decorado pois passava muito pouco tempo lá dormindo, menos ainda acordado.

Quando já estava fechando os olhos, vencido pelo cansaço de um dia não vivido, empurrado, ele quase dormia quando lembrou, que não havia acertado o despertador, mas deu de ombros, já não faria qualquer diferença...

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