Rompimento

Ao olhar para trás, ela teve a sensação de vê-lo, na sala, onde costumava ficar. Jogado daquele jeito sem jeito com o computador no peito, escrevendo bobagens no facebook. A sala estava escura, sem aquela iluminação pálida do computador, mas também sem a iluminação daquela presença. Só restava a janela aberta.

A janela, aquele único ponto de suas discussões. Ele a queria sempre aberta, sempre com aqueles calores eternos, e ela, bem, ela podia usar um pulôver em Manaus. Apesar de aberta, a cortina mal se movia, uma tênue brisa soprava, fraca demais para inflar, defraudar aquela seda delicada. Um suspiro longo encheu seu peito, enquanto ela se ajoelhava, num gesto de reflexo, sobre o sofá e sua própria perna, como fazia quando ele estava ali ainda. Entre o abraçada e o agarrada à uma almofada, se equilibrava para não invadir aquele espaço. Seu peito pesava dez toneladas, com um sentimento reprimido.

Olhou ao redor, buscando outros sinais dele, mas não havia. Aos poucos, a rotina foi tomando-o dela e dele mesmo. Suas coisas sem uso, iam sendo doadas ou jogadas fora, e ao final de alguns anos, sem que ninguém se desse conta, só restaram as coisas dela pelas prateleiras, mesas e estantes. Gatinhos, porquinho, porta-copos, canetas. Ela. 

Seus livros e discos jogados pela casa, não eram, nunca foram, uma tomada da casa como ele tanto reclamava, mas eram tentáculos dela, espalhados, buscando-o pela casa. Cada caderno e caneta eram como dedos escrutinando pelos cantos, na busca dele. Por ele. Algum objeto dele onde se agarrar.  

Nem isso ela tinha. Só aquela memória reflexo, que a pegou de surpresa e uma janela que representava uma ruptura entre eles, únicos testemunhos da presença dele naquela sala eram simbólicas. Lá em baixo, dez andares para baixo, ele chegava afobado, como sempre fazia, para identificar o corpo dela, ainda quente após a queda...

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