Teatro dos Vampiros 2


Uma estaca no coração do vampiro não o mata. Apenas o paralisa. Condiciona a criatura imortal a um estado de imobilidade. Seu coração sem vida representa o corpo, como sua mente passa a representar a alma que já não possui. Suas paixões se tornam hábitos distorcidos, compulsões.

Antes, aficionado pelas artes, hoje a minha paixão se tornou contemplação, catalogo obras de artistas, novos, antigos, que conheci pessoalmente ou não. Tenho livros, descrições detalhadas da história de cada arte, artista, mecenas. Ação reveladora, motivação, expressão. Tenho livros, cálculos, fichas. Olhos baços contemplando natureza morta, arte inerte, movimentos imóveis.

O mundo é movido por ser consumido. Quando vivos, precisamos comer, excretar, respirar. As necessidades fisiológicas se tornam uma sede eterna, interminável, por sangue. Uma paixão cega pela vontade de beber, um cigarro insaciável, fumado em um só trago, sem fumaça para soltar.

A alma que já não existe dá lugar a uma mente racional. Psicoses, sociopatias, ausência de paixões que se convertem em razões. A catalogação obsessiva de tudo que outrora amamos, e hoje armazenamos. A alma se torna mente, o corpo se torna sede. Mente de um sociopata, e um coração que já não bate. Meu coração parou de tanto bater. 

Na vida, fui meu trabalho. Na morte, sou minha obra. Sigo a mesma vida que nunca vivi, sem tempo para amigos, sem família ao meu redor, permitindo que a ansiedade do que não fiz hoje se espelhe no meu amanhã, silencie outros sonhos, sufoque novas ideias. Deixo de começar novos passatempos hoje, pelo tempo que não terei amanhã, ou mais tarde. Não é a areia movediça que me puxa, eu que quero mergulhar. Uma busca que nunca será concluída. Será um dia interrompida, sem satisfazer, sem concretizar. Movimentos vagos e trôpegos. Quem não sabe onde vai, qualquer lugar serve.

Uma estaca no coração não mata o vampiro, mas o paralisa. Essa estaca não termina sua sede eterna por sangue, mas o faz assistir imóvel a essa sede consumi-lo por dentro, queimando-o, enlouquecendo-o, incapaz de fazer nada à respeito se não ser consumido. Consuma-me... Consuma-me...

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