Palácio de papelão

Chovia cântaros, e os carros passavam pela avenida guinchando a água das ruas para fora dos sulcos de seus pneus. O barulho era como ondas, regadas pelos semáforos de muitas esquinas para trás que regulavam a vazão dos carros em ondas mais ou menos uniformes e ainda assim, orgânicas. 

A grama carcomida pelo descaso que não crescia, mas sobrevivia em meio à tóxica praça entre a avenida e movimentadas saídas e conexões com o centro. Era uma ilha de um verde feio, quase pior que se fosse só cimento, com uma única árvore tão fina e tão sem folhas, que mais parecia um galho caído plantado para se parecer à uma árvore. Ao seu lado, um conjunto de elegantes caixas de papel, papelão e plástico contrastavam a elegância de seus produtos desenhados em suas laterais, com o abrigo improvisado de um morador e seu cão. 

Dentre os carros, seus condutores tão apressados quase não divisavam aquela construção em meio à praça, não importa a velocidade que passassem, fosse no rush parado dos finais de tarde, ou na intranqüila  movimentada madrugada. Era só mais uma moradia improvisada. Só mais um mendigo  seu cão (e suas pulgas e parasitas), mais bocas sem nenhuma comida. 

A umidade da tênue garoa não superava as proteções das caixas, feitas para proteger coisas muito mais caras que uma mera vida humana, mas minava do chão, vindo do outro lado do palácio de papelão. Lá fora, o ruído das ondas dos carros embalavam, lá dentro, a soneca se pressa, e sem vontade, de alguém alheio ao seu mundo exterior, como o mundo estava assim para ele também. O mundo não estava permitido naquele palácio de papelão.  

Comentários

Editora Delearte disse…
Será a melhor maneira de fugir? Odete Campos

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