Crônica: Sobre um primeiro de maio...


Quando eu era criança eu não gostava muito do dia de domingo. Não que eu fosse trabalhar no dia seguinte, por que eu não ia mesmo, só fui saber o que é emprego aos 17 anos, eu não gostava do dia moroso, longo, sem nada, absolutamente nada para fazer, passear no shopping de domingo era como ir ao cemitério, meia dúzia de restaurantes abertos e todas as lojas fechadas, as luzes pareciam pela metade da potência sem as luzes das lojas a ajudar na iluminação, ou pelo menos é assim que me lembro, de um domingo que fomos no center norte e sentados na padaria, onde hoje é a Saraiva, olhávamos perdidos a vitrine da antiga Sears. Dava para ver a loja Pernambucanas igualmente fechada no final do corredor. Sears... faz tempo, heim?

Depois com a adolescência e estes tempos de alta competitividade, eu nunca mais soube o que é um domingo parado, sempre foi correr para almoçar com a família da namorada, passar o café da tarde em uma avó depois voar para a casa dos pais para a janta, a igreja de manhã, para alimentar o espírito e, a cada quinze dias, a reunião dos amigos em uma casa aleatória para as partidas de RPG, as últimas delas, de Vampiro a Máscara. E enquanto corria e me divertia, eu não reparei nas lojas abrindo, cada vez, aos domingos. Nos domingos que eu ia trabalhar, para fazer inventario da empresa, a princípio reclamando muito, mas depois muito mais natural e assim, sem perceber, nosso domingo virou mais um dia da semana, só um pouco mais curto, só para dizer que não é exatamente igual aos outros. O horário comercial é menor, e ainda tem o suplício do Fantástico fechando o dia...

Pois bem, neste primeiro de maio, enquanto muitos festejavam, pintavam paredes ou iam ao cinema, eu fui trabalhar, e tive que dar uma volta no mundo para fugir das comemorações do feriado dos trabalhadores (quase me atrasa para o serviço, pois é...) e reparei algo que há muito eu não via: lojas realmente fechadas, shoppings com estacionamentos com vagas, sem aquela correria, aquele ímpeto consumista. O dia estava bastante claro, embora o ar ainda estivesse bastante frio, principalmente à sombra e antes do meio dia, presente da frente fria que passou por aqui sexta passada, e esta mística combinação me fez ser invadido por lembranças gostosas daqueles domingos que eu, inadivertidamente, não gostava, que achava longos e enfadonhos. Ah, que saudades de não ter nada para fazer no domingo, nem mesmo nada para ver na televisão, e correr para a rua da minha avó, jogar bola, escalar paralelepípedo, subir na laje do vizinho (contra recomendações o vizinho e da vovó). E aí a saudade explode e eu me lembro dos domingos quentes em que, suados, depois do futebol, comprávamos gelinhos e ficávamos escorados na Chimbica, o fusquinha amarelo do vovô, só aproveitando a brisa.

E tudo isso, não preciso nem falar, me atrapalhou muito no trabalho, que eu não queria nem conseguia trabalhar, nem tão pouco passou com a noite de sono e com as trezentas visitas e oitocentos quilômetros que meu celtinha rodou hoje, de cliente a cliente, ao contrário, só me faz pensar se esta correria que vivemos hoje, estas opções todas que temos de compra hoje, a qualquer hora, em qualquer lugar, realmente rima com evolução, ou será que rimaria melhor com suicídio, masoquismo ou apenas, insanidade? Pense nisso, eu vou comprar gelinho e ficar na sombra, só mais um pouquinho...

Comentários

Muna disse…
Ótima reflexão sobre o dia a dia!

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