Corrupção e ironias
Laura não nasceu na Terra, não é, portanto, terrestre, mas não é, por isso, menos humana. Os terráqueos sempre acharam que o termo humano se referiria apenas à eles, quando na verdade, pode ser traduzido de qualquer idioma, para a mesma definição que a terrestre, seja ela qual for...
Laura nasceu em Kepler B612, como o chamamos aqui na Terra, ainda que lá eles chamem seu planeta como quiserem e ignoram que ele possa ter outro nome em outro lugar que não aquele que demos a ele. Aqui, se dizia na época, chama-lo de Terra 4. Capaz de sustentar vida humana, diziam, talvez até tenha sua própria vida, diziam.
Laura vem de um povo que também busca por outros mundos habitáveis, eventualmente até, habitados. Uma busca conduzida por idealistas, financiados por pessoas com seus próprios interesses, é claro.
Não se enganem, na Terra de Laura também há corruptos. E corruptores. Em sua cidade mesmo, todas as obras são super faturadas, terrivelmente. Inegavelmente. À menos, é claro, aos olhos da lei, que é também, invariavelmente, corrupta.
Acreditariam vocês, por exemplo, que sua cidade hospeda o maior porto do planeta? Uma obra faraônica, capaz de receber mais de cem navios simultâneos, feita com tanto concreto que os documentários de sua construção comparam sua massa à de suas luas, somadas? Uma obra que emprega mais de 1000 homens, apenas para manter as luzes acesas e as coisas funcionando? E seria, apesar de uma incrivelmente cara, uma obra linda, não fosse o fato que nem ao menos um rio passe pela cidade dela, quem dirá, um mar por perto...
Na época, o prefeito Paulo alardeava que era uma obra para o futuro, para prevenir o aquecimento global, que quando os mares chegassem a subir, a cidade já teria sua própria renda. Milhares de protestos ocorreram contra a obra, e outros milhares à favor. Quando um mandato acabava, o próximo político, que ganhou atacando a obra, decidia por continuá-la, pois seria mais barato que destrui-la. E da-lhe protestos.
A obra, é claro, virou sinônimo de roubo, "fazer o porto" significava roubar a olhos vistos. Terminar em porto, significava que acabaria impune. E lá estava o monumento ao desperdício, com seus funcionários concursados, todos familiares de algum político ou membros de algum partido, fingido que o porto não era com eles...
Ironicamente, o aquecimento global de fato destruiu os polos, subiu os níveis dos mares e o porto, quase 100 anos depois era de fato, útil, não fosse o detalhe de todos os humanos de lá terem morrido direta ou indiretamente pelas mudanças climáticas que eles próprios causaram. E assim, quando o porto foi um porto, não havia mais ninguém la para aproveitá-lo...
Talvez seja uma ironia da vida, talvez seja que por que os habitantes fe Kepler B612 eram apenas, você sabe, humanos...
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